A 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, por cinco votos a três, julgou que os royalties pagos por empresa do mesmo grupo econômico integram o valor aduaneiro, o qual é utilizado como base de cálculo do Imposto de Importação. Entendimento similar foi proferido pela 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara do CARF, no mesmo processo, em 2018, com base nos artigos 1º e 8 do Acordo de Valoração Aduaneira (AVA).

O conceito jurídico de valor aduaneiro fora interpretado, já em 2018, com base no exame do art. 8º do AVA, (também conhecido como Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT 1994), internalizado no ordenamento jurídico brasileiro por força do Decreto nº 1.355/1994. Destaque-se que o AVA é um dos Acordos Multilaterais de Comércio de Bens, constantes no Anexo 1 da Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT.

De todo modo, o cerne das discussões empreendidas no Acórdão 3201­004.170, de 2018, e no escopo do mais recente entendimento da 3ª Turma da CSRF, é a incidência de tributos sobre os valores de royalties e sua inclusão no valor aduaneiro das mercadorias.

O parágrafo 1, “c”, do supramencionado art. 8º determina que, ao auferir o valor aduaneiro pelo Método do Valor de Transação (art. 1º do AVA), os “royalties e direitos de licença relacionados com as mercadorias objeto de valoração, que o comprador deva pagar, direta ou indiretamente, como condição de venda dessas mercadorias” devem ser acrescidos ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas. Com base nessas disposições, considerou-se indispensável a constatação, no caso concreto, de que o pagamento de royalties foi uma condição sine qua non para a venda dos produtos importados.

Nesse sentido dispõem as notas explicativas do art. 8º, parágrafo 1, “c”, constantes no Anexo 1 do AVA, segundo as quais os royalties e outros direitos de licença mencionados no referido dispositivo podem incluir pagamentos concernentes a patentes, marcas registradas e direitos de autor, dentre outros. Entretanto, na determinação do valor aduaneiro, os ônus decorrentes do direito de reproduzir as mercadorias importadas no país de importação não devem ser acrescentados ao preço efetivamente pago ou a pagar por estas. Além disso, as notas explicativas destacam que os pagamentos feitos pelo comprador pelo direito de distribuir ou revender as mercadorias importadas – o que inclui os royalties – não serão acrescidos a esse preço, caso não sejam condição para a venda das mercadorias.

No caso em questão, examinado pela Corte Administrativa, a Unilever Brasil Ltda. pagou royalties à Unilever N.V., residente na Holanda, em razão da importação de mercadoria estrangeira proveniente da Unilever Argentina S.A, a exportadora. Tal importação foi realizada pela Unilever Brasil Industrial Ltda. e sua incorporadora, a Unilever Brasil Higiene Pessoal e Limpeza Ltda., que, após a aquisição das mercadorias, revendeu-as integralmente à Unilever Brasil Ltda., o que suscitou, como mencionado, o pagamento de royalties dessa última em favor da Unilever N.V.

A fiscalização apontou que o pagamento desses royalties teria sido condição para a efetivação da importação, de acordo com as cláusulas do primeiro contrato entre a empresa matriz residente na Holanda e a Unilever Brasil Ltda., o que se aplicaria, por extensão, às importações realizadas pela Unilever Brasil Higiene Pessoal e Limpeza Ltda, visto que todas integram o mesmo grupo econômico. Por isso, a interpretação do CARF, no caso em comento, é a de que o valor correspondente aos royalties configurou “condição de venda” das mercadorias importadas. Não obstante a prevalência desse entendimento, a conselheira Tatiana Midori Migiyama acertadamente apresentou divergência.

O name partner do CCBA, Onofre Alves Batista Júnior, destaca que o Tribunal Administrativo, em outras oportunidades, ao interpretar as normas do Acordo de Valoração Aduaneira, adequadamente pontuou que os royalties somente integram o valor aduaneiro se atendidos concomitantemente três requisitos: i) a existência de relação direta dos royalties com as mercadorias; ii) a cobrança de royalties como condição de venda das mercadorias; e iii) o pagamento dos royalties devidos pelo importador diretamente ao exportador, mesmo quando pago por terceiros. Além disso, o sócio ressalta que “houve equívoco na interpretação dos artigos 1º e 8º do AVA, tanto em 2018, como no recente entendimento da 3ª Turma da CSRF, visto que a empresa obrigada ao pagamento dos royalties não é a mesma empresa que importou as mercadorias, bem como a empresa beneficiária dos royalties não é a mesma que as exportou”.

Ainda ressalta que “a constatação de que o beneficiário dos royalties não é o exportador da transação internacional, per si, já deveria afastar a inclusão dos royalties no valor aduaneiro. E tal discernimento não é recente no Conselho Administrativo, visto que a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara, no acórdão 3402-002.444, proferido em 2014, já apontava o absurdo da pretensão fiscal de incluir os royalties na base de cálculo dos tributos incidentes na importação, quando não há identidade entre beneficiário dos valores e exportador. O CARF não deve se afastar desse entendimento, devendo prezar pela interpretação criteriosa e técnica, que, infelizmente, não se vislumbra na recente cognição da 3ª Turma da CSRF. Esperamos que, se vier a ser provocado, o Judiciário adote posicionamento mais coerente com o AVA-GATT.”.