A reforma tributária do consumo, inaugurada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, criou o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que substituirá o ISSQN e o ICMS. Esse novo paradigma trará mudanças significativas na tributação de operações com serviços, que precisam ser conhecidas pelas empresas que atuam no setor.

Em geral, com a unificação da tributação de bens e serviços, a tendência é que sejam reduzidas as discussões quanto a essa distinção, que tanto repercutiram na jurisprudência dos Tribunais Superiores, em especial quanto ao alcance do ICMS e do ISSQN. Emblemático, por exemplo, o Tema 590 de Repercussão Geral, em que se discutiu a constitucionalidade da incidência do ISSQN sobre o licenciamento ou na cessão de direito de uso de programas de computação desenvolvidos para clientes de forma personalizada. Ao final, nesse caso, restou reconhecida a constitucionalidade da incidência do ISSQN sobre essas materialidades.

De acordo com a redação do art. 156-A, § 1º, I, CRFB/1988, o IBS será de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios, e incidirá sobre bens e serviços, abarcando operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos. Sobre a mesma materialidade, em substituição à contribuição ao PIS, à COFINS e ao IPI (exceto para itens produzidos na Zona Franca de Manaus), incidirá a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, à provável alíquota de 8,8%.

Paulo Roberto Coimbra Silva, nosso sócio, destaca que a redação do novel art. 156-A da Constituição Federal deturpa o conceito de competência tributária. Conforme o nosso sócio, “a competência tributária diz respeito à aptidão legislativa para instituir tributos e disciplinar, por lei stricto sensu, as relações jurídicas a ele pertinentes. Este elemento importantíssimo da autonomia federativa dos Estados e Municípios sofreu severas distorções a partir da Reforma Tributária, na medida em que os novos tributos incidentes sobre o consumo serão instituídos por lei complementar, com legislação geral única e uniforme em todo o território nacional. Além disso, o PLP nº 68/2024 (projeto de lei complementar sobre a matéria) especifica extensamente o novo regime, atingindo nível de detalhamento impróprio à hierarquia das leis complementares, cuja função precípua é a delimitação dos limites e da forma do exercício da competência tributária. Com isso, restou aos estados e municípios apenas a capacidade de fixar alíquotas e o direito ao recebimento do produto da arrecadação.

O legislador constituinte, no exercício do poder derivado, pretendeu com isso dar fim aos conflitos federativos decorrentes da guerra fiscal. No entanto, a medida enfraquece a autonomia dos entes subnacionais e centraliza ainda mais o poder tributário. Em última instância, o preço da mudança foi o próprio pacto federativo, que se alegava pretender resguardar.

Outra mudança importante se refere à migração da tributação sobre serviços para uma sistemática não cumulativa. O ISSQN é um imposto cumulativo, e, assim, tem alíquotas menores. O IBS e a CBS, por outro lado, deverão ser informados pela neutralidade tributária, e, portanto, vigorarão sob regime não cumulativo. A EC n° 132/2023 prevê a possibilidade de dedução do tributo pago na operação anterior na apuração do tributo devido na operação de saída.

As alíquotas nesse regime, no entanto, serão maiores, se comparadas à atual tributação sobre serviços: enquanto o ISSQN poderia ser instituído pelos Municípios com alíquotas que variam de 2% a 5% (Art. 8º e art. 8º-A, LC 116/2003), a estimativa inicial é de que a alíquota do IBS fique em torno de 17,7%, conforme dados da Câmara dos Deputados. Além disso, há que se ter em conta a maior complexidade que caracteriza os regimes não-cumulativos, que pode incrementar gastos com despesas jurídico-contábeis para fins de manutenção da conformidade tributária.

O aumento da carga tributária incidente sobre a prestação de serviços é notório: no caso das sociedades que atuam no setor e não se beneficiam de regimes específicos, tendo em conta as alíquotas da contribuição ao PIS e da COFINS (respectivamente, 0,65% e 3% no regime cumulativo, e 1,65% e 7,6% no regime não cumulativo) e do ISSQN (2% a 5%), a carga tributária atual varia entre 5,65% e 8,65% no regime cumulativo da contribuição ao PIS e da COFINS, e 11,25% a 14,25% no regime não cumulativo dessas exações. No novo regime, tendo-se em conta o IBS e a CBS, a alíquota incidente sobre operações com serviços será de 26,5%, conforme estimativas. Dessa forma, o aumento da tributação sobre a prestação de serviços pode chegar a 469,02% em relação ao regime cumulativo, e 235,55% em relação ao regime não cumulativo.

Essa estimativa se baseia na projeção inicial, mais conservadora. De acordo com a recente nota técnica do Ministério da Fazenda, tendo-se em conta as principais mudanças introduzidas durante a tramitação do PLP nº 68/2024, o incremento da alíquota de referência total (IBS e CBS) pode atingir 1,49 ponto percentual, totalizando 27,99% — a maior tributação sobre consumo do mundo. Esse aumento vai de encontro à expectativa de redução das alíquotas em decorrência da sensível ampliação da base de incidência.

A majoração provavelmente será suportada pelo consumidor final, que arcará com o aumento substancial do custo de aquisição dos serviços. Receia-se que o aumento expressivo da tributação de operações com serviços possa gerar inflação e retração no consumo, contribuindo para a ‘estagflação’, fenômeno econômico que merece ser revisitado e inserido nas atuais discussões sobre a reforma.”